domingo, 14 de março de 2010

É nessas horas que a gente engole a vergonha

— Onde é que o Breno se meteu? — Marina já estava estressada há muito tempo. — É por isso que eu odeio a professora de português.

No colégio, principalmente quando os alunos estão no auge da adolescência, teatro não é a atividade mais atraente para os alunos. É a hora que todos vão ter que subir em cima do palco e deixar de ter vergonha só por causa de uns pontinhos. Mas não se deixa de ter vergonha de uma hora para a outra. O garoto sobe no palco, fala baixo e, para completar, todos os colegas ficam rindo da cara do coitado que custou decorar 3 linhas do roteiro.

Dona Mirtes, professora de português, tinha dado um trabalho sobre o Romantismo Brasileiro. Tinha sobrado para o grupo da Marina recitar alguns poemas do século retrasado.

— Calma, Marina! — Ricardo, namorado da Marina, tentava tranquilizá-la. — O Breno só foi buscar a fantasia.

— Fantasia?! Mas a gente só vai recitar uns poeminhas.

Poeminhas; era disso que os adolescentes chamam umas das melhores representações da literatura brasileira. Mas dá pra perdoar, coitados! Alguns são submetidos a várias horas de gibi e contos de revistas. Coitados.

Marina estava quase furando o palco de madeira de tanto andar de um lado para o outro.

— Tudo bem, então, gente! Vamos começar sem o Breno. Depois a gente volta na parte dele.

Os outros cinco alunos estavam até um pouco animados com a possibilidade do Breno não chegar até o anoitecer e o ensaio ser adiado mais uma vez. Era deprimente ter que ir lá à frente e falar um monte de palavras que não lhe fazem sentido e fingir que estavam gostando.

— Então, nós vamos começar com você, Carol!

Carol subiu no palco, com os ombros baixos, as pálpebras caídas e um bocejo completou sua aparência "animada".

— Pode começar! — Marina deu o sinal.


“Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!E tanta vida que meu peito enchiaMorreu…” Morreu? Depois de “morreu” vem o quê?

—“na minha triste mocidade!”
“Morreu na minha triste mocidade!” — ela sorriu e se abaixou, agradecendo.

— E o resto?

— Eu só decorei até aí.

É nessas horas que Marina conta até 10.

— OK. Tudo bem, querida. — Ela vira-se de costas e faz uma careta de raiva. — É SUA VEZ, RICARDO.

Ricardo sobe ao palco.


—“Como eu te amo
Como se ama o silêncio, a luz, o aroma,
O orvalho numa flor, nos céus a estrela,No largo mar a sombra de uma vela,Que lá na extrema do horizonte assoma;”


Marina percebe que Ricardo está olhando demais para Carol. Consegue captar os olhares entre os dois. Aquele poema de amor começou a dar nos nervos de Marina.


—“Amo em ti. — Por tudo quanto sofro,
Por quanto já sofri, por quanto aindaMe resta sofrer, por tudo eu te amo.”
— CHEGA, RICARDO! Já está muito bem ensaiado.

— Mas já acabou, mesmo.

— Eu sei. — Ela não sabia. — Não precisa me contar.

Foi quando Ricardo desceu do palco que Breno chegou ao anfiteatro. Ele vestia uma roupa verde, cheia de penas, uma cabeça enorme e um bico amarelo.

— Breno, — Marina disse, “calmamente” — que… que roupa… que coisa é essa?

— Meu figurino.

— Figurino. Mas você só vai recitar uns poeminhas de nada. Não precisa de uma fantasia de papagaio.

— Ah! Deu pra perceber que é um papagaio? A moça da loja me garantiu que não dava pra perceber — Breno explicava. — É porque eu queria uma fantasia de sabiá, por causa do meu poema: “Minha terra tem palmeira/ onde canta o sabiá!”. Sabe? Pois é! Mas aí, na loja de fantasia, só tinha roupa de papagaio e tucano. Sabiá não tinha. Eu escolhi essa, porque o tucano parecia mais um urubu, né! Mas a mulher da loja me garantiu que não dava pra perceber que era um papagaio.

É nessas horas que Marina conta até 10. É nessas horas que ela olha no fundo dos olhos do outro e respira… É nessas horas que se percebe que teatro não é uma boa coisa para a escola.

— DEZ MINUTOS DE INTERVALO! — Ela quis adiar mais um pouco seu sofrimento.

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