domingo, 6 de setembro de 2009

O que os olhos não veem, o estômago não sente.


Eu sempre lidei com pessoas muito diferentes umas das outras em todos esses anos atrás de um balcão. Uns doidos, outros estranhos e uns bem educados. É o caso de um homem que frequentava o supermercado onde eu trabalhava.

Ele ia ao supermercado todos os dias e sempre foi muito simpático com todos os funcionários: saldava-nos com um efusivo bom dia e fazia questão de nos dar um lanche quando estava em casa.

Quando não estava trabalhando, ele gostava de nos visitar e conversar comigo sobre sua vida e, principalmente, gostava de saber sobre a minha: onde eu estudava, desde quando eu trabalhava ali, quem eram meus pais, etc. e tal.

Quando ia embora ele sempre dizia:

— Beto, depois você aparece lá em casa para tomar um café!

Eu sempre respondia com um sorriso de agradecimento; agradecimento por ter tido a gentileza de me chamar, mas eu não ia aceitar (mas isso ficava implícito).

E eu sentia gosto de atendê-lo. Ele sempre era muito gentil, atencioso e muito prestativo, levando os bolinhos que ele mesmo tinha preparado.

— Eu cheguei em casa correndo — ele disse uma vez — para preparar os bolinhos. Eu sei que dia de sábado é puxado para vocês.

E nós comíamos com gosto.

Uns dias depois, ele me chamava para ir a casa dele de outra maneira.

— Você não quer ir lá em casa tomar um café? Acabei de preparar uns bolinhos _ ele dizia.

Droga. Até ali ele me chamava para eu aparecer qualquer hora dessas, mas nunca me chamou para ir naquele instante. Eu sabia que não me sentiria à vontade comendo na casa dos outros, porém eu não sabia como recusar com educação, para não magoar um sujeito tão cortês.

— Olha! Eu tenho que organizar umas coisas para amanhã... Então, outro dia eu apareço lá.

Ele sorriu e saiu. Meu coração partido por ter destratado o coitado.

E por vários dias eu inventei desculpas para não aceitar o convite dele. Eu achava que recusar seria mais educado. Talvez ele estivesse me convidando só por polidez.

Continuou assim até o dia em que ele fez uma compra enorme e me pediu para ajudá-lo a levá-las até sua casa.

Eu não podia recusar; era meu trabalho.

Chegamos a casa dele. Já tinha visto a casa por fora, mas fiquei impressionado com a organização da casa de um quarentão. Eu levei as sacolas até a dispensa e ele pediu para eu organizar as coisas nas prateleiras.

Todas tinham nomes; foi fácil organizar.

Saí da dispensa e deparei com um homem de cuecas na cozinha. Ele estava tirando uma forma de dentro do forno. Os bolinhos estavam dentro daquela forma. Virou-se de frente e sorriu para mim.

Eu fiquei muito assustado com aquilo. A barriga dele parecia maior e aquela cueca branca era um pouco aterrorizante.

— Sente-se — ele disse com um sorriso.

Com as mãos, colocou os bolinhos num prato e colocou-o na minha frente.

— Não fique acanhado.

Ele virou-se novamente para tirar um jarro de suco da geladeira.

— Eu mesmo preparei.

Ele sentou-se de frente para mim e se serviu. Começou a conversar como se estivéssemos no supermercado. Para não fazer feio, eu peguei um bolinho e mastiguei com muita lentidão. Não comeria mais do que aquele.

Meu cérebro funcionava a mil: eu não tinha nenhuma desculpa para inventar e sair correndo dali. Pensa, pensa, pensa, pensa.

— Esse bolinho é diferente, não é? — eu perguntei.

— É. Fubá.

Bingo.

— Eu tenho alergia a fubá.

Nem olhei para trás para ver aquela cueca outra vez.

Nenhum comentário: