Eu sempre lidei com pessoas muito diferentes umas das outras em todos esses anos atrás de um balcão. Uns doidos, outros estranhos e uns bem educados. É o caso de um homem que frequentava o supermercado onde eu trabalhava.
Ele ia ao supermercado todos os dias e sempre foi muito simpático com todos os funcionários: saldava-nos com um efusivo bom dia e fazia questão de nos dar um lanche quando estava em casa.
Quando não estava trabalhando, ele gostava de nos visitar e conversar comigo sobre sua vida e, principalmente, gostava de saber sobre a minha: onde eu estudava, desde quando eu trabalhava ali, quem eram meus pais, etc. e tal.
Quando ia embora ele sempre dizia:
— Beto, depois você aparece lá em casa para tomar um café!
Eu sempre respondia com um sorriso de agradecimento; agradecimento por ter tido a gentileza de me chamar, mas eu não ia aceitar (mas isso ficava implícito).
E eu sentia gosto de atendê-lo. Ele sempre era muito gentil, atencioso e muito prestativo, levando os bolinhos que ele mesmo tinha preparado.
— Eu cheguei em casa correndo — ele disse uma vez — para preparar os bolinhos. Eu sei que dia de sábado é puxado para vocês.
E nós comíamos com gosto.
Uns dias depois, ele me chamava para ir a casa dele de outra maneira.
— Você não quer ir lá em casa tomar um café? Acabei de preparar uns bolinhos _ ele dizia.
Droga. Até ali ele me chamava para eu aparecer qualquer hora dessas, mas nunca me chamou para ir naquele instante. Eu sabia que não me sentiria à vontade comendo na casa dos outros, porém eu não sabia como recusar com educação, para não magoar um sujeito tão cortês.
— Olha! Eu tenho que organizar umas coisas para amanhã... Então, outro dia eu apareço lá.
Ele sorriu e saiu. Meu coração partido por ter destratado o coitado.
E por vários dias eu inventei desculpas para não aceitar o convite dele. Eu achava que recusar seria mais educado. Talvez ele estivesse me convidando só por polidez.
Continuou assim até o dia em que ele fez uma compra enorme e me pediu para ajudá-lo a levá-las até sua casa.
Eu não podia recusar; era meu trabalho.
Chegamos a casa dele. Já tinha visto a casa por fora, mas fiquei impressionado com a organização da casa de um quarentão. Eu levei as sacolas até a dispensa e ele pediu para eu organizar as coisas nas prateleiras.
Todas tinham nomes; foi fácil organizar.
Saí da dispensa e deparei com um homem de cuecas na cozinha. Ele estava tirando uma forma de dentro do forno. Os bolinhos estavam dentro daquela forma. Virou-se de frente e sorriu para mim.
Eu fiquei muito assustado com aquilo. A barriga dele parecia maior e aquela cueca branca era um pouco aterrorizante.
— Sente-se — ele disse com um sorriso.
Com as mãos, colocou os bolinhos num prato e colocou-o na minha frente.
— Não fique acanhado.
Ele virou-se novamente para tirar um jarro de suco da geladeira.
— Eu mesmo preparei.
Ele sentou-se de frente para mim e se serviu. Começou a conversar como se estivéssemos no supermercado. Para não fazer feio, eu peguei um bolinho e mastiguei com muita lentidão. Não comeria mais do que aquele.
Meu cérebro funcionava a mil: eu não tinha nenhuma desculpa para inventar e sair correndo dali. Pensa, pensa, pensa, pensa.
— Esse bolinho é diferente, não é? — eu perguntei.
— É. Fubá.
Bingo.
— Eu tenho alergia a fubá.
Nem olhei para trás para ver aquela cueca outra vez.
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