terça-feira, 20 de outubro de 2009

E o tempo, hein!


Eu, Beto, confesso que eu tenho parecido um pouco cruel. Na verdade, cruel até demais. Mas todos vão concordar comigo que é horroroso ser obrigado a ouvir coisas que você não precisa ouvir. Sabe? Às vezes, todos nós somos obrigados a ouvir coisas que são inúteis. Isso nos lembra aquela frase: “podia ter dormido sem essa.”


De vez em quando eu mereço ganhar uns puxões de orelha, mas esse não é o assunto. O assunto que eu quero tratar é: eu tenho cara de quê? Padre?

Eu trabalhava num pequeno supermercado. Quanto menor o supermercado, menor o trabalho. Quanto menor o trabalho, mais tempo à toa. Quanto mais tempo à toa, mais as pessoas pensam que eu tenho tempo de sobra para ouvir suas confissões.

— Eu estou comprando esses refrigerantes para fazer um chá de berço para o meu netinho — uma senhora me disse certa vez. — A minha filha já está num barrigão. Meu netinho vai chegar daqui a alguns dias. E não vejo a hora. Ah! Eu já te disse que é menino? Vai se chamar Rosicleydson.

E eu fazia uma cara de paisagem. Às vezes, me aventurava em “Ah!” ou “Oh!”, mas nada mais que isso.

— Filho é uma cruz — uma mulher me disse. — A minha filha sai de casa altas horas da noite com um namorado que eu nem conheço e volta para casa só no outro dia de manhã. E ainda diz que eu sou uma péssima mãe.

Deu para perceber que o melhor lugar para fazer estágio de psicologia é atrás de um balcão.

E cada dia uma coisa diferente.

— O meu time perdeu!

— O meu netinho nasceu!

— Minha vizinha ‘tá com o intestino preso!

— A política no Brasil é uma vergonha.

E eu só naquele monossílabo.

— Hum!...

Um dia, um homem veio me contar sua história.

— Fui assaltado. Um homem chegou por trás e me agarrou. Me falou: “passa a carteira se não
quiser morrer aqui e agora”. Tirei minha carteira e ele levou tudo: identidade, CPF, carteira de motorista, cartão de crédito. Tudo, tudo, tudo.

— Nossa!

— Mas também, né! Com uma 38 nas costas, eu entrego até minhas calças.

E eu sorria, para o outro ver que estava prestando atenção.

— Ontem, meu filho foi numa festa — uma mulher me disse. — Chegou com os amigos tarde da madrugada. Os três rapazes são uma gracinha, sabe? Eles acamparam lá na varanda de casa e eu vou preparar um churrasquinho pra eles. Ah! Vocês tem… como é mesmo o nome?... Pé de moleque? Meu filho adora pé de moleque… — e começou outra história.

Dá vontade de gritar: E EU COM ISSO. EU TENHO UM MONTE DE COISAS PARA FAZER. NÃO DÁ PARA SIMPLESMENTE PEGAR SUAS COISAS E SAIR DA MINHA FRENTE. Mas eu nunca pude fazer isso.

E quando não tinham assunto…

— E essa chuva, hein!

— Pois é!

— Foi bom para apagar a poeira.

— Pois é!

— Foi ruim que molhou todas as minhas roupas no varal.

— Pois é!

— E o horário de verão, hein!

— Começou né?

— Começou. Deixa a gente doidinha. Escurece quando é mais de sete da noite e, quando eu
levanto, o sol ainda não saiu.

— Pois é!

— E esse sol, hein!

— Pois é!

— Choveu ontem, mas hoje ‘tá um mormaço.

—Pois é!

— Vocês são jovens. Eu estou na idade em que não pode brincar com o sol.

— Pois é!

— Pois é, o quê? ‘Tá me chamando de velha?

— Pois é. — Aí que eu percebi que ela tinha mudado de assunto. — NÃO, NÃO. Imagina…

Pegou suas sacolas e saiu pisando grosso.

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