domingo, 27 de dezembro de 2009

Cookies de dona Dolores

É difícil, mas eu, Beto, tenho que permanecer o mais calmo possível enquanto eu trabalhar no comércio. Principalmente no fim do ano, por causa do Espírito Natalino. Mas esse tal Espírito é difícil de continuar comigo quando algumas coisas acontecem.

Em um supermercado, conheci dona Dolores, uma senhora gorda que andava com um vestido surrado até mesmo nos dias mais cálidos; ficava imaginando quanto pano existia debaixo daquele vestido até chegar à pele daquela senhora. Ela tinha um rosto redondo, com as bochechas sempre coradas, com os cabelos desgrenhados, os dentes amarelados e os olhos de azul estonteante.

Ela sempre ia ao supermercado comprar farinha, fermento, açúcar, chocolate e ovos para fazer a sua especialidade: cookies. Ela, como toda senhorinha, adorava fazer um agrado aos funcionários do supermercado. Eu já tenho uma experiência um pouco traumática experimentando receitas dos clientes, mas o cheiro daquelas bolachinhas com os pedaços de chocolate era irresistível.

Tentava pensar nos olhos claros e nas bochechas rosadas de dona Dolores, e tentava esquecer a sua roupa suja e seu mau-cheiro de cigarro impregnado na coitada.

Na véspera de Natal, ela queria fazer muitos cookies para os netos, precisava, então, de muita farinha, muito fermento, muito açúcar… Voltou umas três vezes no supermercado para buscar mais ingredientes. Ela estava com os cabelos mais desgrenhados, a roupa mais suja e eu acho que até o cigarro estava mais forte.

Já eram seis horas da tarde quando dona Dolores foi ao supermercado pela última vez. Ela estava correndo, na esperança de que tudo saísse certo até a hora da ceia.

— Olha, Beto — ela disse, — eu tô com um monte de coisas para fazer lá em casa, então eu não vou voltar aqui mais, viu? Então, dá a volta no balcão e vem me dar um abraço.

Que situação!
Quando eu comia os cookies era mais fácil imaginar uma senhorinha cheirosa, mas com aqueles dentes amarelos arreganhados para o meu lado e aqueles braços suados abertos na minha direção.

Eu engoli a seco. Espírito natalino, espírito natalino, eu dizia pra mim mesmo.

— Vem logo!

Espírito natalino. Eu dei um sorriso amarelo e tentei não deixar nada transparecer no meu olhar.

Não deve ser tão ruim assim.

Fiquei imaginando os netos daquela mulher gorda abraçando-a, felizes com os cookies da vovó.

— Não — eu disse. — Eu tô um pouco suado.

— Não se preocupe. Eu também tô.

Fui andando devagar, respirando o máximo que podia antes de chegar à frente daquela mulher e sentir os seus braços enormes e molhados me envolverem feito uma cobra pegajosa, o hálito de cigarro entrando no meu cérebro enquanto ela recitava os seus votos de Fim de ano.

— Feliz Natal! Muita paz, muita saúde, muita felicidade.

Fiquei esperando que ela me dedicasse um Feliz Ano Novo para que aquilo não se repetisse, mas ela só ficou mesmo no Natal.

— Que você seja muito feliz. — E ela me balançava de um lado para o outro. — E eu desejo tudo isso pra sua família também.

Ela me soltou. Graças a Deus!
Eu não sabia como eu me sentia: ela era tão adorável, mas o cigarro e o suor atrapalhavam um pouco. Sei lá! Se ela fosse limpinha talvez eu até gostasse de abraçá-la, mas… Ai, tudo bem! É Natal, né.

Ela saiu enquanto eu sentia a minha camisa molhada nos meus braços. E fiquei só esperando que eu ficasse de folga no dia de Ano Novo.

Nenhum comentário: